6.24.2008

Faltam cinco minutos para a hora de ir embora. Não tem mais ninguém aqui, só a luz, fria. E os tantos relatórios que não terminei, os papeis que não arquivei, as mensagens que não respondi. Mesmo assim eu gasto esses cinco minutos de olhos fechados tentando lembrar de algum cantinho desse rosto de três meses atrás. Esses três meses mais parecem cinco anos. Cinco minutos já me fazem cansar. E eu não lembro, sei que tinha uma covinhas ou algo assim, sei de uns sorrisos, uns olhos quase fechados e luminosos. Mas quando fecho os meus olhos, não lembro. Me canso, e os cinco minutos já passaram. Vou embora sem lembrar, sem terminar os relatórios, sem arquivar os papéis sem responder as mensagens.

6.12.2008



Jamais quero perder essa capacidade de me maravilhar com as coisas que não conheço. Essa consciência inesperada de que existe tanto. Existem novas descobertas. Existem novas sensações. Aquele momento que é como a tachinha no mapa marcando que eu estou ali. Aquela sensação de que sim o mundo está acontecendo apesar de mim. Aquilo que me põe em contexto. No contexto de um grupo, um grande grupo. Não é simpelsmente uma descoberta bonita. É aquela descoberta de um novo sabor que então faz parte e existe.

Eu nunca achei que me interessaria por arquitetura, mas como flaneur em Paris fui ao Institute du Monde Arabe. De longe notei aquele prédio quadradão, e as janelas como que estamapdas de motívos árabes. Mais de perto perccebi que não eram estampas. E já dentro, tão perto que não era normal, entendi aquelas estruturazinhas de ferro que compunham pequenas mandalas em cada uma daquelas janelas que antes eu tinha entendido simplesmente como estampadas. E aí, de repente, tinha um tal de Jean Nouvel, arquiteto premiado, no meu repertório de referências e maravilhas.

Um pouco antes eu estava desgarrada, andando por Barcelona, na direção da Catedral Gótica, para relembrar a memória de quando há oito anos eu entrara numa constução tão capaz de criar fantasias e realidades ao mesmo tempo. Mas agora eu encontrava era um simples acordeonista, músico de rua tocando em uma esquina do bairro gótico, onde as paredes da catedral forneciam a acústica perfeita para uma música que me fez parar. Parar, sentar na mureta e ficar ouvindo, fumando três cigarros, esquecendo dos planos. Até que ele parou de tocar, recolheu as moedas, recebeu os aplausos, e foi embora.

E pra quem sabe de mim o suficiente para achar que esse é um texto de nostalgia da decepção, digo, esclareço e reafirmo: essas sim são as memórias perenes daqueles 15 dias inesperados no velho continente.

Pois entre tantas outras coisas que não quero perder, jamais quero perder memórias. Esquecer, talvez. Mas não perder as memórias.

5.21.2008

O verdadeiro perdedor é aquele que, na última hora, olhando para trás, vai ter a impressão de que desperdiçou a sua corrida. O que ele acumulou, tudo isso me parece bastante acessório. Para mim, o perdedor é aquele que não conseguiu viver sua vida com toda a intensidade que ela merece. O que não tem nada a ver com felicidade. O projeto de sermos felizes é profundamente errado, concebido para nos manter na insatisfação, o que é absolutamente necessário na sociedade de consumo. O ganhador é quem teve uma alta qualidade de experiência, seja qual for, que tenha sido intensamente. A felicidade, eu sou contra.

Contardo Calligaris


Eu lembro tanto da última vez que estive realmente feliz.

Mas agora só fico acendendo aquele isqueiro.
Acendendo aquele isqueiro.
Acendendo aquele isqueiro.
Aquele memento de quando me senti muito e genuinamente ligada no mundo.
De quando me senti.
Tenho muito medo de perder aquele isqueiro, como perco tudo. Então deixo ele na minha janela. E à noite, depois do jantar, acendo o ar pelas quantas vezes acendi cigarros solitários durante o dia. Tenho comigo um compromisso: quando o isqueiro não acender mais, nem minha felicidade, nem minha frustração, nem minha tristeza dependerão daquela simples memória incógnita.

3.07.2008

Ontem eu achei que estava ficando louca. Hoje acho que, na irrealidade, antes de ontem eu estava é ficando normal.

Eu gostaria de ser uma pessoa impulsiva. Acho que me renderia momentos muito mais líricos. No entanto, fico presa. Presa nessa hiperatividade da minha cabeça. Penso, e considero, e analiso. E odeio isso tudo. E não saio da armadilha: fico sentindo falta do que não aconteceu. Não sei reconhecer o que é ainda, o que é talvez, e o que é não mesmo.

Acho que para serem impulsivas, as pessoas têm que ter muito mais qualidade. Qualidade incontável mesmo. Eu tenho uma grande quantidade de qualidades, todas contáveis. Não tenho qualidade. De fazer e já sair certo, aquele certo que é tão particular, que harmoniza a dor e a delícia de ser quem eu sou.

Que faz a música terminar na hora certa. Que te faz saber a hora de desligar a televisão para não acordar de ressaca na manhã seguinte.

Eu queria ter tanto mais para dizer. Poder fazer. Mas acho que é não mesmo. Só não sei se é medo. Talvez.

2.29.2008

o equilibrista desapegado estava ainda no meio da corda bamba. e um dia ele teve a oportunidade de descer, esse equilibrismo que é o seu cobertor quentinho, sua caixa de bon bons.

e de repente o mundo era de terra firme, mas mesmo quando a terra é firme, não demora muito e ela treme um pouco e você tem que pular pro ladrilho de lá, onde sem nenum aviso você acha óculos de lentes cor-de-rosa. e voilà, seu mundo já não é mais o mesmo, mudou pra sempre. você já não pode mais olhar o seu mundo como sempre. as coisas que não tinha antes, as pessoas que não tinha antes, as cores que não enxergava antes, elas são parte do seu mundo. e se ele só pode existir na memória, mundo estranho, mundo vasto, mundo mudado?

talvez ele nunca tenha sido realmente desapegado. a personagem que pintou para si mesmo é a de um trapezistra travestido de equilibrista. uma melindrosa fantasiada de palhaço.

como equilibrar as laranjas e os morangos? como beber o café que eu mesmo preparei com tanto sol que brilha e não se alcança?

o equilibrista desapegado, então, devolveu os óculos cor-de-rosa no mesmo ladrilho onde os tinha encontrado, pulou de volta para onde a terra tremia, lambeu o creme chantily do seu próprio umbigo, limpou os confetes do ombro direito e subiu de volta para a corda bamba.

de lá de cima ele continua a observar a vida passar em movimento.

2.27.2008

e só porque nem sempre a produção original é possível, e memória é sim uma delícia, com plena consciência que ser uma delícia não é suficiente, e que ter que ter consciência de tudo uma merda, um karma, um fantasma, me lembrei de uma frase da última carta para além dos muros, de caio fernando abreu:

"O quê importa é a Senhora Dona Vida, coberta de creme chantilly, às vezes musgo do tempo e confetes de outro carnaval. É preciso encará-la. E beijá-la na boca".

12.26.2007

será que temos esse tempo pra perder?

eu nunca gostei de dezembro. nunca gostei de natal. nunca gostei de ter que empacotar as experiências, de ser Pollyana.

nunca gostei de praia, nem de gelatina. sempre comi a bala kids mordendo, sob ameaças e riscos de quebrar os dentes.

nunca gostei de fim de ano, de refletir, de comer torradinha e esperar pelo pernil e o purê de maçã, logo ali, esperando. nunca gostei de esperar. mas sempre esperei um pouco quieta.

e nunca tive muita paciência.

em 2007 estive prestes a quebrar. quando quase cansada de esperar, quando não sabia mais qual ponto cardeal a bússola apontava, tudo começou a me atropelar. deu medo e remexeu tudo aqui dentro, como chocolate. mas vou me equilibrando em cima do muro, indo e assumindo as consequências.

esse foi um ano maluco, de viradas, de coisas novas, de dores e delícias. cheio do que nunca fiz. saboreio todas as viradas que ele me serviu, e continuo esperando. esse ano agora está vestindo branco e abrindo passagem para todas as outras novidades que a nova idade de 2008 vai trazer.

eu nunca tive muita paciência para esperar. mas sempre vou, pacientemente.

(uma hora, alguém vai apertar o play)



Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não pára...

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...


(se alguém souber como e a onde achar aquele clip maravilhoso dessa música, fale aí)

12.05.2007

follow your bliss

ontens e hojes, andei pensando nessa vontade de ser feliz.

essa vontade que me faz querer largar as bagagens pra seguir em frente. mas que me obriga a me apegar. essa vontade que anda de mãos dadas com o medo que paralisa. essa vontade que faz tanta gente pirar.

nunca mais digo que surtei.

pois um amigo pediu demissão, escreveu cartas em retalhos de papel, frases em latim, odes a peter pan e à capacidade de esquecer e não crescer, ouviu vozes em castelhano. depois pegou uma escova de dente, a carteira e um livro de joseph campbell. e, com laços de família cortados há tempos, sumiu de casa, a casa que dividia com uma amiga.

reapareceu dois dias depois em buenos aires. em surto psicótico. sem memória. está internado, está sozinho no hospital, que dirá na vida. diz que foi lá para salvar o mundo. e agora as vozes lhe dizem que se mate.

andei pensando também nessa vontade de ajudar os outros. nem sempre é possível. nem sempre é possível ser feliz.

às vezes, sim.

12.03.2007

o equilibrista desapegado - parte 2

o equilibrista caiu do trapézio quando tentou segurar na ponta do nariz aquela pinta que a sua lembrança carreava no dedo mindinho.

ele assumiu sua memória. em terra firme, passou a carregar tudo no bolso.

agora ele vive mais pesado, anda mais lento, não se desapega. estufa o peito, cheio das malas que nunca deixou pra trás.

11.28.2007

descarregar desapegar renovar mudar

O equilibrista desapegado foi ontem às compras e, na mesma prateleira da cidra, encontrou uma promoção especial de fim de ano: motivação a 3 por 2. Quis economizar pois ouviu boato que em janeiro, embora um pouco avariadas, as motivaões vão estar mais em conta ainda. Voltou pra casa só com três pacotes de sal grosso.

Ele, nesse final de ano, está tomando a contra-mão da corda bamba. Está se apegando, encontrando nortes e encarando a vida a longo-prazo, tudo o que sempre esteve no cantinho daquela unha que nunca desencravava. Mas ele não respirou aliviado nem saiu pra comprar um chinelo de dedo. Tem uma outra unha latejando latejando latejando. Qual é?.

Ele acha melhor começar a acreditar nos intervalos comerciais.


(...)

Uma cidade, sim. Edificada
nas nuvens, não — no chão por onde vais,
e alicerçada, fundo, nos teus dias,
de jeito assim que dentro dela caiba
o mundo inteiro: as árvores, as crianças,
o mar e o sol, a noite e os passarinhos,
e sobretudo caibas tu, inteiro:
o que te suja, o que te transfigura,
teus pecados mortais, tuas bravuras,
tudo afinal o que te faz viver
e mais o tudo que, vivendo, fazes.

Uma cidade
onde possas cantar quando o teu peito
parecer, a ti mesmo, ermo de cânticos;
onde posssas brincar sempre que as praças
que percorrias, dono de inocências,
já se mostrarem murchas, de gangorras
recobertas de musgo, ou quando as relvas
da vida, outrora suaves a teus pés,
brandas e verdes já não se vergarem
à brisa das manhãs.

Ai de um amor assim, vergado ao vínculo
de tão amargo fado: o de albatroz
nascido para inaugurar caminhos
no campo azul do céu e que, entretanto,
no momento de alçar-se para a viagem,
descobre, com terror, que não tem asas.

É tempo. Faze
tua cidade eterna, e nela habita:
antes que venham ventos, e te levem
do peito o amor — este tão belo amor
que dá grandeza e graça à tua vida.

Tiago de Melo

11.18.2007

Esses dias andei passeando por um universo muito particular, em escala de azul e cinza. Teve muito chocolate, muito álcool, muitas coisas por lá. Cheguei a perder a paciência com ser lírica. Me senti empacotada, etiquetada e classificada como um tipo que é tão menor do que eu sei que eu sou. Imagina então tudo o que eu não sei ou ainda não reconheço em mim.

Eu me olho, me olho sim. Enquanto que o seu inferno está cheio só de boas intenções. Guarda elas bem, numa caixinha de veludo vermelho amarrada com um laço, onde antes tinha quatro trufas de chocolate amargo. Quando a gente se des-envolver, pode até abrir a caixinha. Pois eu não quero mesmo ter que desacreditar tudo que tinha de sentimento bom aqui.

obsessão musical da semana



you had me up in heaven
that's why I have to fall so far

11.14.2007

querido diário

hoje o sol não saiu, mas espiou com cara de que é dia de tomar dry martini, escutar jazz e discutir a relação. aquela que é possível só existe nas histórias que meus amigos imaginários contam uns para os outros.

aposto um pote de sorvete triple chocolate e uma garrafa de absolut pepper: amanhã acordo com as palavras na ponta dos dedos.

11.08.2007

Eu já não quero mudar o mundo. E muito menos quero te decepcionar. Mas é isso: já não me esforço em fazer diferença. Se faço, não é um mérito, mas consequencia de estar só equilibrando os mesmos malabares de sempre.

Tenho mais receios do que antes, e eles vieram junto com essa espécie rara de maturidade: a do tempo passado sem ninguém pedir ou enviar solicitação por escrito. Mas não tenho mais medo ser medíocre. Sei que você não espera respostas de mim. E acho que nem me espera entre as cartas e as palavras e as memórias. Eu, quero sempre poder chegar até você.

E é isso que eu sou agora, muito diferente dessa pessoa de há tanto tempo, que te impressionou e que eu percebo que ainda impressiona as suas lembranças. Eu já tive muito medo de viver na média, como todo mundo. Quis ser diferente, me reinventar, ver tudo em movimento. Todas as nossas conversas sempre dançaram ao redor desses assuntos, eu lembro.

Ver tudo, e em movimento. Mas agora eu acho sinceramente - e com muito pouca melancolia - que só quero sossego, segurança, estabilidade, mesmo que medíocre. Não faço questão de grandes paixões, mas de arestas bem aparadas e histórias com um bom roteiro a se desenvolver comigo.

Quero tomar uma vodka sozinha a noite, no meu canto. Quero tomar vinho acompanhada. Quero que seja confortável. Não perfeito.

Eu não te impressiono como eu gostaria. Eu te impressiono, mas não como eu desejaria.

11.05.2007

obsessão musical da semana



Vows are spoken
To be broken
Feelings are intense
Words are trivial
Pleasures remain
So does the pain
Words are meaningless
And forgettable

Enjoy the silence...



Escutar essa música ontem foi um tapa na alma, uma surpresa cara. Me pegou pelo braço, me olhou nos olhos e me fez sem fala. E é a reinvenção de um clássico. Acho uma delícia quando uma música me desperta dramaticidade assim a ponto de me fazer parar.

Precisei escutar, uma ironia. E repetir.

Nessa semana que começa com uma sensação de que não tenho escapatória, preciso repetir: falar, construir palavras, escancarar sentimentos. E eu não quero, juro que não quero. Tenho uma impressão tão nítida que sei onde isso vai dar, e preferia que fosse tão bonito e drmático quanto na música. Mas não é, e mesmo assim estou indo para lá. Não tem palavras indicando o caminho, e já estou no meio.

10.23.2007

ensaio

eu queria drama, uma história. alguma coisa que combinasse com as trilhas sonoras que sempre tocaram na minha cabeça, na imagem monocromática da minha imaginação ficcional. as músicas da minha nostalgia inverídica.

uma história quente, bem temperada. canja de galinha é para quem está doente. e eu estou só carente. dizem por aí que ninguém consegue comer comida temperada sempre. que faz mal. machuca o estômago. mas o meu sempre foi de pedra, e, quem sabe, o coração possa tocar no mesmo compasso.

não quero evitar o tombo no final. o fim é enquanto ainda tá morno, ou quando já esfriou completamente? essa história, na minha frente agora, é quase morna. e eu não sei quando vaai chegar o fim.

essa não é uma pequena epiphania, que precisa navegar sozinha. então me soa tão ridículo não aproveitar enquanto ela ainda pode ser consumida, enquanto eu ainda tenho alguma coisa de mim pra oferecer para consumo. se eu corro para longe, me machuco agora. se insisto, me machuco mais tarde. então fico: estou em display.

indigestão? eu quero ir em direção daquilo que todo mundo anda fugindo, o drama. o meu, vem junto de tanta coisa, tanta possibilidade. afinal, tem comida que fica mais gostosa no dia seguinte, requentada.

o meu drama não precisa de tragédia e nele, tocar Nina Simone de noite combina com um par de taças de vinho. Velvet Underground de manhã, mesmo que sozinha. o meu drama tem uma trilha sonora que acompanha as memórias fortes e temperadas do que eu tenho na mão agora, e do que já aconteceu. memórias, não nostalgias do que nunca aconteceu.

acho que o meu drama é uma fantasia.