2.29.2008

o equilibrista desapegado estava ainda no meio da corda bamba. e um dia ele teve a oportunidade de descer, esse equilibrismo que é o seu cobertor quentinho, sua caixa de bon bons.

e de repente o mundo era de terra firme, mas mesmo quando a terra é firme, não demora muito e ela treme um pouco e você tem que pular pro ladrilho de lá, onde sem nenum aviso você acha óculos de lentes cor-de-rosa. e voilà, seu mundo já não é mais o mesmo, mudou pra sempre. você já não pode mais olhar o seu mundo como sempre. as coisas que não tinha antes, as pessoas que não tinha antes, as cores que não enxergava antes, elas são parte do seu mundo. e se ele só pode existir na memória, mundo estranho, mundo vasto, mundo mudado?

talvez ele nunca tenha sido realmente desapegado. a personagem que pintou para si mesmo é a de um trapezistra travestido de equilibrista. uma melindrosa fantasiada de palhaço.

como equilibrar as laranjas e os morangos? como beber o café que eu mesmo preparei com tanto sol que brilha e não se alcança?

o equilibrista desapegado, então, devolveu os óculos cor-de-rosa no mesmo ladrilho onde os tinha encontrado, pulou de volta para onde a terra tremia, lambeu o creme chantily do seu próprio umbigo, limpou os confetes do ombro direito e subiu de volta para a corda bamba.

de lá de cima ele continua a observar a vida passar em movimento.

2.27.2008

e só porque nem sempre a produção original é possível, e memória é sim uma delícia, com plena consciência que ser uma delícia não é suficiente, e que ter que ter consciência de tudo uma merda, um karma, um fantasma, me lembrei de uma frase da última carta para além dos muros, de caio fernando abreu:

"O quê importa é a Senhora Dona Vida, coberta de creme chantilly, às vezes musgo do tempo e confetes de outro carnaval. É preciso encará-la. E beijá-la na boca".